A doença

Posted: terça-feira, 3 de fevereiro de 2009 by Fabiano Fernandes Garcez in
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Ficou surpreso quando percebeu que seu peito estava sem pêlos, achou estranho, de manhã eles estavam entre os botões da camisa, percebeu também que umas poucas gordurinhas atrás de seus mamilos também tinham sumido. Seus braços, como o peito, despelados ficaram mais rijo, mais forte, chacoalhou os ombros, achou bom e socou uma camiseta no corpo e saiu.
Pela manhã estava dentro de uma camisa branca, mais longa que sua cintura, agarrada ao seu tórax e as mangas compridas desabotoadas, a calça meticulosamente rasgada nos dois joelhos, botas de bico quadrado que espelhavam seus cabelos descoloridos artificialmente e artificialmente fixados em pé.
Ia para a faculdade apenas para ser visto e ver as menininhas, acordava cedo, tomava banho e café, escolhia uma roupa (que não houvesse usado naquele mês) ia para frente do espelho, voltava, trocava de peça, ia para frente do espelho, gostava, colocava, olhava, olhava, virava, olhava e gostava, pegava o perfume (um que não sentiram o cheiro aquela semana), cheirava, espirrava, espirrava, pegava o gel fixador e o pente, voltava ao espelho, espalhava, cheirava, passava nos cabelos, penteava, não gostava, espalhava, cheirava, passava nos cabelos, gostava, olhava, virava, olhava e sorria, saia.
Pegava seu carro, lavado e encerado diariamente (não por ele), ligava o rádio, procurava, procurava, procurava, sintonizava e o volume aumentava e cantava, antes, sempre as mesmas músicas do top teen das paradas, já foi samba, sertanejo e: _ Agora o que “pega” é o forró ele ia cantando forró.
Chegava atrasado, passava enfrente da sala, era visto por todos, gostava, entrava, cumprimentava, conversava, marcava ficar até as tantas num bar da esquina e só então abria o caderno.
Após a faculdade ia para academia, ver a minuciosa evolução de seus músculos, gostava de pegar peso, se achava mais homem cada vez que pegava mais peso e sentia bem de perto o ácido cheiro do suor dos outros homens.
Depois ia ao bar, já tarde, ia pra casa, mas naquele dia, ele teve uma surpresa, seus pelos sumiram, não se preocupou, mas agora, era demais, os dedos do pé, não se mexiam, não se dobravam. Gritou, todos acudiram, chamaram um médico, o médico veio, balançou a cabeça, lamentou e disse desconhecer aquilo. Ele chorou.
Possuía uma caderneta na qual marcava os nomes das meninas beijadas que assim como ele encarava a vida desta maneira tão cheia de ideologia e utilidade, sempre achava sua porção feminina de pensamentos e atitudes, as que com ele transava marcava em outra, as que beijava ou transava duas vezes marcava um “xis” ao lado do nome.
Depois de tanto chorar acabou adormecendo, quando acordou no meio da manhã, tomou outro susto, agora era os dedos da mão, estavam duros e grudados uns aos outros, dessa vez não chorou, tentou dormir, talvez tudo fosse um sonho, um horrível sonho, um pesadelo!
Seus diálogos com os amigos eram sempre sobre mulher, casas noturnas, carros, top teen, nacional e internacional, new top, grifes de roupas e óculos, adorava o cinema americano e as novelas brasileiras.
Passou dois dias, entre médicos, choros e tentativa de acordar do pesadelo, seus amigos ligaram, não queria ser visto naquele estado, estava esperançoso, pois a doença não evoluiu neste período, talvez até regredisse.
Sempre foi arrogante, quando percebia que alguém não lhe seria útil, então o presenteava com o desprezo ou a humilhação. Os empregados que sabiam disso, na frente sua tratavam-lhe bem, quando de trás...
Acordou sufocado, não conseguia respirar, entrou em desespero, já não conseguia chorar, gritar nem mesmo falar.
Agora apenas olhava nas caras, um pavor misturado com pena, de seus amigos, suas namoradas e outras não qualificadas como tal, as pálpebras já não se fechavam, seu pai comprou um aparelho hospitalar cuja função era pingar uma gota em cada olho de lubrificante em uma porção de tempo.
Nesta situação nem percebeu que seus joelhos ou cotovelos não se dobravam, sua boca também não se abria, ainda conseguiam alimentá-lo com um canudo colocado do lado direito da boca, onde era jogado uma papa bem rala feito por sua mãe, temperada com algumas lágrimas da pobre senhora.
O tempo foi passando, os amigos se afastando, as namoradas arrumaram outros namorados, restando aos pais acariciarem seus cabelos que já não eram os mesmo de antes, e os empregados retribuir as antigas humilhações com piadas e chacotas.
Não houve médico no mundo que descobriu a enfermidade do rapaz, não foi por falta de esforço do pai, que empenhou quase toda sua fortuna nisso, a mãe coube empenhar seus esforços em rezas, que nada adiantou.
Antes de, enfim, morrer, uma das, agora poucas, empregadas pegou um grande espelho e o colocou em cima do rapaz que em sua estática apatia conseguiu reunir forças para ver que havia se transformado em um boneco de plástico.

1 comentários:

  1. Fabiano, a morte é matéria que alimenta todo esforço de viver e também fundamento da filosofia, você sabe disso,tem coragem e sensibilidade para transformar essa matéria em boa literatura,não se arrede, este é o caminho, só merece trato o que você encontra no seu caminho. A verdade faz sentido. Abraço e obrigado pelo prazer da sua companhia.
    Sávio Grossi

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