Comentário sobre a leitura de “O Arco e a Lira” Octavio Paz

Posted: quarta-feira, 1 de junho de 2011 by O Blog dos Poetas Vivos in Marcadores:
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“Não sem justificado assombro as criançasdescobrem um dia que um quilo de pedras pesa o mesmo que um quilo de plumas...” (p. 121)


A fronteira ente a prosa e a poesia torna-se mais tênue após o modernismo, que alargou e problematizou as normatizações das formas estendendo as vias da prosa e do verso, possibilitando e provocando novas possibilidades de enxergar e interpretar o poético. Em “O Arco e a Lira” Octavio Paz discute esta questão - analisa mais detidamente o cenário da literatura espanhola, porém - apresentando ao leitor aspectos que consistem uma tendência geral da literatura moderna. “Na Espanha a ruptura com a poesia anterior é menos violenta. O primeiro a realizar a fusão entre linguagem falada e imagem não é um poeta em verso, mas em prosa: o grande Ramón Gómez de La Sernap” (p.115). A partir deste dado, Paz exemplifica e conclui: “A poesia moderna de nossa língua é mais um exemplo das relações entre prosa e verso, ritmo e metro” (p. 117)

Ao pensar a relação verso e prosa, Paz nos propõe uma reflexão genealógica sobre a linguagem e sua relação intrínseca com o ritmo, e desta forma, afirma que o ritmo não é exclusividade da poesia, pois na prosa, assim como em toda linguagem verbal, há ritmo. Contudo, o ritmo da poesia se apresenta de modo singular porque está articulado ao essencial de sua significação: a imagem. O argumento central, que “ritmo e imagem são inseparáveis” (p. 118) na construção do poema, dirige e fortalece uma profunda discussão acerca da potência da imagem diante dos limites da linguagem verbal. “O valor das palavras reside no sentido que ocultam. Ora, esse sentido não é senão um esforço para alcançar algo que não se pode realmente ser alcançado pelas palavras” (p. 128). Como diria Drummond, “sob a pele do poema há cifras e códigos”, com a leitura de Octavio Paz podemos compreender que essencialmente estas “cifras e códigos” do poema, de modo peculiar à prosa, são a articulação minuciosa entre ritmo e imagem.

Logo, a imagem é compreendida como mecanismo capaz de abrigar em si contradições, realidades distanciadas, apresentando-nos uma espécie de mosaico-caledoscópio de sentidos, sem a necessidade de racionalizar uma síntese entre os opostos: tomar dois elementos distintos para converte-los num terceiro. “Até para a dialética a potência da imagem resulta num desafio enigmático (...) a imagem é uma frase em que a pluralidade de significados não desaparece” p.130). Portanto, o autor afirma: “o sentido da imagem é a própria imagem (...) nada pode dizer o que (ela) quer dizer”, por conseguinte, “sentido e imagem são a mesma coisa”. A imagem é um choque de sentidos imaculados e potencializadores, capaz de conjugar instantaneamente o ambíguo e o paradoxal, como no caso do pesado leve de “um quilo de pedras” ou do leve pesar de “um quilo de plumas”. Independente do “quilo” a imagem da pedra é em si dureza e rigidez, enquanto as plumas não deixam de ser maciez e delicadeza; por este motivo a lógica científica, racional, pragmática não pertence à ordem da poesia. Estabelecendo esta argumentação, Paz busca provar o quanto “um poema não tem mais sentido que suas imagens” (p. 133) e assim como o sentido da imagem é a própria imagem, “o sentido do poema é o próprio poema” (p. 134), o que lhe garante uma autonomia de expressividade; conferindo, deste, modo legitimidade à idéia de que todo poema é auto-referencial, uma certa forma de metalinguagem. Se comparados lado à lado, poderia se falar numa esfera intra-referencial que circunda o poema e numa esfera “extra-referencial” da prosa, relacionada à engrenagem sistemática, coesa, conceitual que faz parte do processo de escrita e leitura do texto em prosa.

Não obstante é importante destacar que “a realidade poética da imagem não pode aspirar à verdade. O poema não diz o que é e sim o que poderia ser. Seu reino não é o do ser, mas o do “impossível verossímil” de Aristóteles” (p. 120 – 121). Discussão extensa e antiga, já anunciada no livro X de “A República”, de Platão, o qual evidencia o quanto ao poeta resta trabalhar com a incompletude de um “terceiro nível de mimeses”, não por menos, o dilema da representação é mote central do fazer poético. A tensão da palavra poética parece ser justamente sua sina em buscar traduzir-nos a pluralidade e ambigüidade da experiência do real, ainda que tenha consciência do impossível de fazê-lo. Essencialmente ritmo e imagem o poema é linguagem transgressora, pois ultrapassa as fronteiras da própria palavra: “o poema é a linguagem em tensão: em extremo de ser e em ser até o extremo” (p. 135); todavia, “o dizer poético diz o indizível” (p. 136). Magistral simbiose de ritmo e imagem, no poema se “penetra surdamente no reino das palavras”; o poeta não descreve, não representa, ele apresenta: “recria, revive nossa experiência do real” (p. 132). Poesia, reino onde nomear é ser. A imagem diz o indizível: as plumas leves são pedras pesadas. Há que retornar à linguagem para ver como a linguagem pode dizer o que, por natureza, a linguagem parece incapaz de dizer” (p. 129).

Sobretudo, Octavio Paz confronta o conceito formalista de medida silábica que muito simplificadamente regulava a distância entre a prosa e o poema, refutando-o pela idéia de que a unidade rítmica é o núcleo do verso, ou seja, a composição do texto poético pauta-se na cadência e fluência do ritmo articulado às imagens produzidas, e não apenas na contagem das sílabas. Eis porque o autor esclarece que o método de associação poética dos modernistas é a sinestesia. “Correspondência entre música e cores, ritmo e idéias, mundo de sensações que rimam com realidades invisíveis” (p. 112).


Roberta Villa