A questão da propriedade privada na concepção de Rousseau - Roberta Villa

Posted: segunda-feira, 19 de janeiro de 2009 by O Blog dos Poetas Vivos in Marcadores:
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Introdução
Crítico e polêmico, Jean Jacques Rousseau, como homem do século XVIII, procurou realizar uma análise científica da humanidade. O ponto central de seu pensamento foi a oposição entre natureza e sociedade, bem como a questão sobre a desigualdade entre os homens e o conjunto de elementos que os legou a tal condição: que separa ricos e pobres, magistrados e fracos, senhores e escravos.Refletindo acerca da condição humana, das leis da natureza, tanto quanto da situação do homem civil e de sua degeneração moral, Rousseau levantou interessantes questões sobre o trajeto do estado “de natureza” do homem até a chegada ao estado plenamente social.


Segundo o autor, no contato direto com a natureza é que o homem encontra o pleno sentido da liberdade. Partindo desta concepção, formula o conceito de “estado de natureza", o qual nunca existiu efetivamente, porém, em sua filosofia serve como um patamar de comparação. Neste estado de natureza o homem vivia de forma solitária e simples, inocente e feliz. Todavia, o homem natural preocupava-se apenas com a sua conservação, sem se amargurar com o dia de amanhã. Agia por extinto, não tinha paixões ou sentimentos de vaidade, egoísmo. A noção do teu e do meu não havia, pois, o que legitima este conceito - a idéia de posse ou de propriedade – também não existia. Assim, o homem natural era uma extensão da própria natureza e tudo o que era natural, como as frutas, as ervas, os riachos, lhe era familiar e disponível (como direito natural). Deste modo tudo era de todos e por isso não fazia sentido as disputas por terra, comida e posse.


Dentro deste contexto a posição de Rousseau acerca da propriedade deve ser compreendida como conseqüência da análise que faz do homem e sua transição para a vida social. Na obra “Discurso sobre a Desigualdade” são apontados motivos que aproximam os homens para o convívio e, conseqüentemente, para a sociedade. Justamente no estágio civilizado que a propriedade se estabelece e com ela surge a desigualdade, que para o autor é a origem de todos os males. A propriedade privada foi o que gerou o modo degenerado de conduta moral dos indivíduos.


Não obstante a civilização, para Rousseau, impôs o nivelamento e a artificialidade sobre o comportamento humano ao ignorar as necessidades individuais e naturais. Contudo, em sua teoria Rousseau não pretendia impor uma regressão da sociedade ao estado primitivo, e sim, repensar os valores do mundo moderno que brutalmente se sobrepõe aos valores inatos dos homens.



A questão da propriedade privada na concepção de Rousseau
Percebe-se na obra de Jean Jacques Rousseau, o papel do “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens” em denunciar as mazelas da desigualdade política desde sua origem. É precisamente na segunda parte do livro que o autor nos expõe explicitamente a sua idéia acerca da propriedade:


“O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado o terreno lembrou-se de dizer “isto é meu” e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não poupariam ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: “evitai ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém” (p. 63).


A partir deste parágrafo nota-se como a instituição da propriedade representa efetivamente a passagem da ordem natural para a formação da sociedade civil fundamentada na moral do “isto é meu”. Contudo, é importante salientar que o parágrafo reproduzido acima é na verdade um artifício retórico do autor para enfatizar a questão, que de fato vem sendo discutida desde o início da obra como um processo. No mais, com a instauração da propriedade privada motivada pela articulação de vários elementos ordenados por Rousseau - como a o perfectibilidade, a vida em família, o amor próprio e a divisão do trabalho – é que a desigualdade irá consumar-se como a barbárie da sociedade moderna. Entretanto, o autor se refere a desigualdade moral ou política, gerada por convenções sociais; e não a desigualdade natural – que compreende diferenças físicas, de mais forte e mais fraco, de homem e mulher, etc.Todavia, para que as relações entre propriedade e desigualdade sejam realmente compreendidas, faz-se necessário realizar uma digressão não só pela obra, como também por toda a história da humanidade.

Logo no Prefácio do “Discurso sobre a desigualdade entre os homens”, é narrada a constituição do homem e o processo de sua degeneração social; para tanto Rousseau fará uso de um hipotético “estado de natureza humana” a fim de resgatar os possíveis valores e ações inatas ao homem. É importante ressaltar que este elemento de resgate do “estado de natureza do homem” é um artifício retórico utilizado por outros autores - que assim com Jean Jacques buscaram compreender a natureza do nosso comportamento social – como por exemplo, os pensadores que lhe antecederam, Thomas Hobbes e Jhon Locke. Contudo, no pensamento de Rousseau o estado natural do homem diverge dos anteriores; Locke e Hobbes nos apresentam um estado de natureza como algo violento, um período instável e inseguro qual a humanidade deveria superar ao evoluir para a civilização. Já para Rousseau o estado natural do homem é de plena liberdade onde se vive em comunhão com a natureza e de forma autônoma, assim, sem necessidade de ajuda de outros, sem paixões, luxo ou amarguras, o homem vive bem, satisfeito; a sua única preocupação era em manter a subsistência. Neste estado de natureza a única desigualdade que é possível haver entre os homem é fruto da própria natureza, como a diferença de tamanho, força, juventude, etc.; no entanto essas diferenças não fazem com que um sobrepuje os demais, nem lhe causa vaidade ou egoísmo.No estado de natureza não há propriedade, tudo é de todos.

Todavia, para Rousseau o homem primitivo não pode ser responsabilizado pela condição de desigualdade em que se encontra a civilização, pois, a essência do homem é naturalmente boa devido a compaixão resultante do sentimento de auto-preservação: o amor de si. Este é o instinto natural que evita a dor, o sofrimento e a morte, fazendo com que o ser humano se identifique com a dor daquele que padece em especial aqueles de sua espécie. A partir deste principio formula-se, então, a teoria da bondade original. Portanto a compaixão contribui não só para auto-preservação do individuo e sim, para toda a espécie humana.
A medida que as dificuldades do meio se apresentavam ao homem, ele teve de superá-las, e desta forma vai adquirindo novos conhecimentos. Esta característica própria do homem, que o difere dos demais animais, consiste em aprender e adaptar-se ao ambiente e suas dificuldades, criando novas alternativas de sobrevivência; Rousseau a denominará por Perfectibilidade. É por conseqüência da perfectibilidade que o homem natural aprendeu a pescar, caçar e por vezes a associar-se a outros homens.



“Aprendeu a dominar os obstáculos da natureza, a combater, quando necessário, os outros animais, a disputar sua subsistência com os próprios homens ou a compreender-se daquilo que era preciso ceder aos mais fortes.” (p.64).



As primeiras associações entre os homens foram aleatórias, esporádicas e se resumiam apenas à necessidade de uma ação objetiva e efêmera; como podemos supor que era a situação de uma caçada. Entretanto, ao perceber que era mais fácil e prático sobreviver coletivamente os homens foram se organizando desta forma. Neste ponto é que surge a primeira "revolução": a construção de abrigos - fazendo com que o homem natural permanecesse mais tempo em um mesmo lugar. Outra importante conseqüência da associação humana foi o desenvolvimento da linguagem: “...quando as idéias dos homens começaram a se estender-se e a multiplicar-se, e se estabeleceu entre eles uma comunicação mais íntima, procuraram sinais mais numerosos e uma língua mais extensa...” (p. 52).


Foi no desenrolar deste processo de associação humana que surgiram as famílias e com elas desenvolveram-se sentimentos ternos: o amor conjugal e o amor paterno.Nesta fase havia um precário sentimento de posse, entretanto, se o homem conseguisse se manter neste estágio pré-social e pré- moral, com poucas necessidades e sem desejos, provavelmente o sentimento de posse não iria subvertê-lo a maldade da sociedade moderna.

Mas, bastou que a pequena comunidade envolvida em atividades rotineiras - como sentar-se a volta da fogueira, cantando e dançando - passasse a se enxergar, que cada indivíduo desejou exclusivamente ser notado. Os homens começam a se comparar e mediante esta situação surgem as impressões de que havia o melhor, o mais forte, o mais bonito, o mais hábil. Estava dada a grande faísca que ascenderia a nossa fogueira de vaidades.

“Assim, o primeiro olhar que lançou sobre si mesmo produziu-lhe o primeiro movimento de orgulho...” (p.65)


Pouco á pouco o homem vai se afasta de deu estado natural e dos valores que a ele é inato, como a compaixão. O amor de si é substituído por um uma paixão própria do estado social o “amor próprio”. Este novo tipo de “amor” é o que solidificará a base moral do homem social, que tende a estimar e priorizar sempre a si do que aos outros ou ao coletivo. Ao contrário do amor de si - nem bom, nem mal, apenas instinto – o amor próprio, que se origina na comparação com o outro, é artificial e acaba por se tornar o germe dos vícios sociais tal como o ciúme, o ódio e a vingança.


Ainda dentro do processo de vivencia comunitária é que o homem desenvolverá novas técnicas como a agricultura e a metalurgia, evento ao qual Rousseau nomeia de "a Grande Revolução". A partir destes eventos ocorre também a divisão das terras e sobretudo a divisão do trabalho, criando condições propícias para a fatal dependência entre os homens, uma vez que agora era possível que um homem trabalhasse por dois.


“Desde o instante em que um homem sentiu necessidade do socorro de outro, desde que se percebeu ser útil a um só contar com provisões para dois, desapareceu a igualdade, introduziu-se a propriedade, o trabalho tornou-se necessário e as vastas flores transformaram-se em campos aprazíveis que se impôs a regar com o suor dos homens e nos quais logo se viu a escravidão e a miséria germinarem e crescerem com as colheitas.” (p.69).


Tanto a passagem do amor de si para o amor próprio quanto a divisão social do trabalho e das terras foram cruciais para a consolidação da noção de posse.É importante ressaltar que para Rousseau, o homem se corrompe de fato após a instituição da propriedade privada, que irá estimular e perverter sentimentos de caráter egoístas e mesquinhos.

Neste ponto, retornamos agora ao início do texto quando se apresenta o trecho que sintetiza a essência da propriedade privada para a consolidação da sociedade moderna: “O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado o terreno lembrou-se de dizer “isto é meu” e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo”. Neste momento, a época do estado de natureza terminou definitivamente, decorrente das transformações que a perfectibilidade proporcionou. A propriedade, uma vez consolidada, dará origem há inúmeros conflitos que refletem a ambição humana. Devido a ambição é que o homem irá sobrepujar-se ou prostrar-se diante de outro, afirmando relações antes ilegítimas tal qual a escravidão. Os frutos da terra passam a ser produzidos não mais para suprir necessidades básicas, e sim para que alguns lucrem em detrimento de outros.


A posse da terra e a divisão do trabalho tornam-se elementos de hierarquização tanto de status quanto de condições econômicas entre os homens e fragmenta a humanidade em ricos e pobres, poderosos e fracos Deste modo são alicerçados os governos e leis. Ao denunciar a fragilidade das leis e da sociedade civil e descrever o modo e os motivos pelo qual a humanidade entregou sua liberdade e dissipou sua igualdade, Rousseau nos expõe a uma questão jurídica das mais complexas e polêmicas: “o que legitima o direito de propriedade?”.

O direito de propriedade não encontra sua legitimidade no estado de natureza pois é fruto de uma convenção humana. Tem-se então que a liberdade natural foi trocada pelo que se pode chamar de liberdade civil. Todavia, é na obra “Do Contrato Social” que o autor busca responder a estas questões e aponta um caminho para solucionar a crise de degeneração que a civilização moderna legou á humanidade.


Rousseau aponta que a sociedade política, a autoridade e o Estado foram criados pelos homens mediante um contrato com a finalidade de manter a ordem e evitar maiores desigualdades. Por meio desde contrato o homem aliena ao Estado parte de seus direitos naturais - o direito à vida, à expressão do pensamento, à locomoção, etc. – para que enfim, sobressaia-se o que é a vontade geral.

Ou seja, de acordo com a obra “O Contrato Social” o homem abre mão de sua liberdade natural e recebe em troca a liberdade civil “e a propriedade de tudo que possui” (p. 36). A vontade geral é nada mais do que a manifestação da soberania, e a soberania é a vontade do povo sendo inalienável e indivisível – e afirmar que a soberania é propriedade do povo causou muita discussão na época em que Rousseau escreve sua obra.

Não obstante, a vontade geral é estabelecida para garantir condições de igualdade a todos, portanto, a liberdade, a igualdade e a ordem civil estão asseguradas mediante a um contrato social genuíno que prevê um novo direito de propriedade.Dentro desta perspectiva os eleitos do povo para governar são apenas representantes que devem executar a vontade geral; o que nos indica que Rousseau apoiaria a democracia direta ao defender a criação de pequenos Estados para facilitar o exercício democrático – pois a população pequena pode reunir-se com mais freqüência e desse modo os cidadãos partilham da autoridade soberana. Rousseau concebe uma idéia de democracia baseado num principio em que os interesses arbitrários do indivíduo devem dar lugar à construção coletiva daquilo que permite a igualdade entre todos.


Então, sobre a questão da propriedade dentro da ordem civil, o autor propõe que seja repensado e reformulado uso da propriedade com a elaboração novas cláusulas legislativas a fim de suprimir os abusos conseqüentes da exorbitante acumulação individual de propriedades. Rousseau propõe que a propriedade deve estar subordinada aos interesses da vontade geral, uma vez que a lei deve ser expressão da soberania do povo.

Conclusão

A busca pela igualdade e a liberdade são os grandes paradigmas da filosofia de Rousseau; tanto que os princípios de liberdade e igualdade política por ele formulados inspiraram as matrizes teóricas dos setores mais radicais da Revolução Francesa - quando foi destruído o que sobrava da monarquia e instalado o regime republicano.Com base em fatos históricos pode se dizer que o pensamento de Rousseau é revolucionário em dois sentidos: na restauração das antigas liberdades e na reconstrução completa da ordem tradicional. Contudo, diferente da ideologia iluminista, Rousseau foi contrário a todo tipo de individualismo, pois este supõe a oposição entre individuo e a coletividade. Na verdade o que ele defendia era a necessidade de restaurar a pureza original dos costumes do homem, corrompidos pela sociedade moderna.

Uma das principais intenções de Rousseau ao elaborar o “Discurso sobre a Desigualdade”, é demonstrar como a liberdade natural do homem foi perdida com o advento da propriedade privada. Esta se insere como divisor de águas entre o estado de natureza e o estado civilizado. A passagem entre estes dois mundos inicia efetivamente o processo de degeneração moral dos homens por meio da noção de posse, da necessidade de afirmar: “isto é meu!”. O resultado desta concepção será a legitimação da violência tanto para conter os dominados como para ameaçar os dominadores.

O início da civilização é corrupto, como também o é seu desenvolvimento dentro da complexa teia de relações e hierarquizações sociais que se estabelecem. Os ricos e poderosos encontraram cada vez mais meios para manter seus domínios, que vão desde a força bruta pelo direito do mais forte, até a dissimulação do governo e das leis que se presta a legitimar tal dominação.
Da teoria de Rousseau aplicada a nossa realidade, podemos tirar como exemplo a concentração da renda, da terra, e dos meios de produção nas mãos de uma ínfima minoria da sociedade. Desta forma uma elite aviltante sobrepuja a humanidade, e a liberdade e igualdade natural são violadas na mesma proporção em que caminhamos para a violência e exclusão. Pode-se dizer que Rousseau é uma das bases do pensamento político moderno, influenciando a elaboração de diversas Constituições e também com seus ideais de a participação direta do povo..

Por fim, a teoria de Rousseau trás uma articulação entre análise política e a antropológica, pois não nos são apresentado apenas as leis e a sociedade como devem ser, mas também os homens como podem ser. E ainda, a articulação entre educação e política, de modo a que estas passassem a levar em conta as necessidades naturais do homem. Rousseau acredita no poder de transformação pela educação, como caminho para a conquista de uma sociedade na qual predomina a vontade geral. Para ele é por meio da educação que o ser humano no estado social poderá desenvolver plenamente capacidade de participação da vida política e respeito á vontade geral, desta forma a organização jurídica, política e moral da sociedade é resultado da formação dos cidadãos.

Sobretudo, se a bondade natural do homem foi corrompida pela sociedade moderna, é dever da sociedade recuperá-la. Para tanto é imprescindível reformular profundamente, tanto do sistema educacional, quanto de organização do Estado.

5 comentários:

  1. Anônimo says:

    Ok.. otiimO!

  1. Anônimo says:

    mto bom! mas vc já pensou qnta edições tem as obras de rousseau? sejam elas o c.social,orig.das desigualdades etc??!
    é sempre bom deixar a refencia...edição...

  1. Anônimo says:

    Ótimoo!! obrigada , me ajudou muito ! :)

  1. Anônimo says:

    bom, gostaria de mais informações sobre a propriedade privada e o estado de natureza

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