A noção de bruxaria como explicação de infortúnios para o povo Azande - Roberta villa

Posted: sexta-feira, 23 de janeiro de 2009 by O Blog dos Poetas Vivos in Marcadores:
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Sobre: Bruxaria, Magia e Oráculos entre os Azande , de Evans-Prichard



Os fatos não se explicam a si mesmos, ou fazem-no apenas parcialmente. Eles só podem ser integralmente explicados levando-se em consideração a bruxaria” (p. 54).
O pensamento Azande que engloba a ação da bruxaria não pode ser simplesmente afirmado como é o caso das doutrinas. Ao contrário, é um tema geral e indeterminado, e apenas é pronunciado em relação a fatos empiricamente atestados. Para os azande não existe a concepção de natural e sobrenatural como nós concebemos, e tão pouco lhes é possível fazer uma análise da bruxaria, uma vez que este fenômeno só pode ser descrito e entendido por meio da ação.

A maneira pela qual o povo Azande concebe a idéia de bruxaria é de fato peculiar quando comparado a nossa noção (sociedade ocidental moderna) sobre o mesmo assunto. Se para nós bruxaria remete ao sobrenatural e causa sensações de pavor, medo e repugnância, para eles a bruxaria é algo cotidiano, faz parte do mundo ordinário e causa uma sensação de raiva, rancor, vingança. Pois, na lógica Azande, bruxaria é o resultado da maldade e até mesmo inveja de um bruxo, que propositalmente causa infortúnios a alguém. E ainda, de acordo com esta perspectiva, o próprio bruxo também não é um ser extraordinário.
Todavia, dentro do sistema deste sistema de valores - que compreende a moral, o comportamento social, a religião e a linguagem - a bruxaria ocupa um espaço de destacada importância, como se estivesse onipresente sobre a vida da comunidade; boa parte dos insucessos e infortúnios que ocorrem podem ser explicados como o argumento: “a pessoa estava embruxada”. Para se entender a dinâmica da bruxaria entre os Azandes, deve-se a princípio observar que a maneira deles pensarem o mundo (a vida, o tempo, as relações sociais e com a natureza) não corresponde a nossa. Para nós, se uma pessoa sofre um acidente (como exemplos do nosso cotidiano: a pessoa é baleada, sofre um acidente de trânsito, é assaltada, etc.), nós somos capazes de reconhecer que existe uma relação espaço-temporal que envolveu determinada pessoa na situação do acidente (ela estava na hora e no local do acidente); contudo, compreenderemos a situação como “fatalidade”. Entretanto, nós não somos capazes de explicar (de acordo com as nossas concepções científicas e racionalistas) o “por que” justamente aquela pessoa foi envolvida no acidente. Contudo, a filosofia zande, pode, além de perceber a relação de tempo-espaço, também responder a pergunta: “porque aconteceu justamente com aquela pessoa?”. É então, que a bruxaria explica a coincidência desses dois fatos, os azande afirmarão: “aconteceu com essa pessoa porque ela estava embruxada”.
Desta forma “a bruxaria põe o homem em relação com os eventos de uma maneira que o faz sofrer algum dano” (p. 52).
Existem alguns exemplos que podem ilustrar esta relação: “se você perguntar a um azande porque ele disse que um homem estava embruxado, se cometeu suicídio em razão de uma briga com os irmãos, ele lhe dirá que somente os loucos cometem suicídios, e que se todo mundo que se zangassem com seus irmãos cometessem suicídio, em breve não haveria mais gente no mundo, se aquele homem não estivesse embruxado, não faria o que fez.” (p.54).
No entanto, apesar da crença na bruxaria para os azandes o mundo dos sentidos é tão real quanto para nós, o que significa que eles não ignoram que além da bruxaria também existe um caráter empírico na causa e no efeito dos infortúnios. Ou seja, eles não negligenciam o que chamam de “as causas secundárias” da morte, o que para nós é na verdade o motivo real da morte. Assim, para eles a morte natural e a morte por bruxaria estão suplementadas. É importante ressaltar que na cultura deste povo a morte não é apenas um fato natural como também é um fato social: quem morrer é um membro da comunidade, é um membro da família, tem o seu grupo de parentesco. Portanto, a explicação da morte através da bruxaria dialoga com os eventos sociais na medida em que lhes atribuiu um valor moral.
Outro exemplo, se um homem mata outro com uma lançada na guerra, o homicida é o meio que levou o homem a morte, porém, a bruxaria é o motivo que faz com que esse golpe seja fatal. Talvez, fique mais clara esta noção de bruxaria quando explicada por meio da metáfora “a segunda lança”. A segunda lança é nada mais do que aquela que numa situação de caçada confirma o golpe letal que estava presente quando foi lançado o primeiro golpe. Ou seja, a bruxaria é vista como um agente do infortúnio - como um algo que estará articulado às condições particulares, numa cadeia causal que ligará o individuo aos acontecimentos naturais que lhe provocarão dano. Desta forma, as condições peculiares que causam os infortúnios têm explicação.
Sobretudo, o modo como os azandes compreendem a pluralidade das causas nos leva a perceber que não são todos os fracassos e infortúnios que pode ser explicados pela questão da bruxaria. “Estaríamos dando uma imagem falsa da filosofia zande se disséssemos que eles acreditam que a bruxaria é a única causa dos fenômenos” (p.52), pois, para eles nem sempre os infortúnios podem se resumir à ação da bruxaria.

Existem também aqueles que estão associados à incompetência ou quebra de tabu, e ainda, ao não cumprimento de uma regra moral. Desta forma, fica muito claro que a mentira e o adultério não podem ser causados por bruxaria. Bem como, se um homem mata outro de sua tribo por meio de faca ou lança, não é preciso recorrer ao oráculo para saber se houve bruxaria e de quem se vingar, pois o algoz é obviamente o próprio homicida. “O zande aceita uma explicação mística das causas de infortúnios, doenças e mortes, mas recusa essa explicação se ela se choca com as exigências sociais expressa na lei e na moral” (p. 57). Existem também os casos de quebra de tabu e bruxaria co-relacionados, como quando uma criança adoece e morre. É sabido de todos que uma criança pequena quando adoece é porque seus pais tiveram relações sexuais antes dela ser desmamada, neste caso, é uma quebre de tabu. Porém, se em decorrência dessa doença a criança morre, então, é porque ela estava embruxada. No entanto, o ato da quebra de tabu não pode ser explicado como resultado de bruxaria. Efetivamente uma pessoa só pode ser declarada embruxada quando age de acordo com as regras tradicionais, executa seus trabalhos com competência, e mesmo assim sofre infortúnios e fracassos. No mais, é importante analisar que a bruxaria tem suas regras de pensamento e lógica próprias

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